Em 1996, o pequeno estúdio britânico Core Design lançou o primeiro Tomb Raider, sem imaginar que estava prestes a criar um dos maiores ícones da história dos videogames: Lara Croft. O projeto, nascido em meio à efervescência criativa dos anos 90 e longe do poder de gigantes como Sega ou Nintendo, rapidamente se transformou em um fenômeno global.

Apesar do sucesso, a equipe por trás do jogo era enxuta e tinha pouca supervisão. Com liberdade para experimentar, os criadores conseguiram desenvolver uma experiência ousada para a época, apostando em uma protagonista feminina corajosa, habilidosa — e sim, também com apelo visual.

Mas foi justamente esse lado sensual de Lara que acabou alimentando uma das maiores lendas urbanas dos videogames: a de que haveria um código secreto para deixá-la completamente nua durante o jogo.

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O ambiente criativo e livre da Core Design

A Core Design era um estúdio composto majoritariamente por homens jovens — com exceção da designer de cenários Heather Gibson, a única mulher entre os principais criadores do jogo. Segundo o artista Roberto Cirillo, que trabalhou na empresa entre 1992 e 2003, o estúdio parecia mais uma reunião de mentes criativas do que um ambiente corporativo tradicional.

A liberdade era tamanha que outros estúdios da época também se aventuravam em piadas internas e conteúdos questionáveis. A própria Naughty Dog, hoje conhecida por sua postura mais madura, inseriu um easter egg ousado no jogo Rings of Power para o Mega Drive, em que uma personagem aparecia com os seios à mostra na tela de abertura da empresa.

Diante desse cenário, parecia natural supor que os desenvolvedores de Tomb Raider pudessem ter incluído algum conteúdo secreto mais “adulto”. Mas, como veremos adiante, essa suposição não poderia estar mais equivocada.

A criação de Lara Croft e o mito do “mouse que escorregou”

A ideia para Tomb Raider surgiu quando Heather Gibson propôs um jogo 3D para o PlayStation. O artista Toby Gard sugeriu uma temática baseada em ruínas antigas, artefatos místicos e uma protagonista feminina britânica, independente e destemida.

Gard queria que Lara fosse uma combinação de inteligência, coragem e sensualidade. Em entrevista, o level designer Neal Boyd comentou:
“Toby obviamente queria que ela fosse sexy. Ele sempre dizia que o mouse escorregou e os seios dela ficaram maiores do que o planejado… mas não sei o quanto disso é verdade.”

Seja como for, o visual chamativo de Lara rapidamente se destacou, tornando-se parte fundamental da identidade da personagem — e também combustível para especulações sem fim.

A lenda do Nude Raider: o código que nunca existiu

Com o sucesso do jogo, começou a circular um boato: existiria um código secreto que deixaria Lara Croft nua. A origem do rumor? Uma cena na qual, após sair da piscina em sua mansão, Lara diz:
“Certo, agora é melhor eu tirar essas roupas molhadas.”

A frase, fora de contexto, acendeu a imaginação dos jogadores da época. Fóruns e revistas começaram a divulgar supostos códigos — nenhum deles funcional — para ativar o tal “modo nude”. Um dos mais populares sugeria que, ao posicionar Lara próxima à piscina e digitar uma sequência específica de botões (select, select, bola, bola, quadrado, triângulo, select e R1), a roupa da personagem sumiria.

A revista britânica Computer and Video Games chegou a entrar na brincadeira em 1997, publicando uma matéria de 1º de abril com instruções falsas. O problema? Leitores passaram meses tentando, até que a publicação admitiu que tudo não passava de uma piada.

O incômodo dos desenvolvedores com o boato

A repercussão do chamado “Nude Raider” cresceu tanto que os próprios criadores do jogo começaram a se incomodar. O programador Richard Rummery explicou:
“Nos incomodava porque, primeiro, aquilo não existia, e segundo, encontrávamos pessoas em festas que achavam que fazíamos jogos pornográficos para crianças.”

O criador da personagem, Toby Gard, foi ainda mais afetado. Ele saiu da Core Design pouco antes do lançamento de Tomb Raider II, justamente por não concordar com a maneira como Lara estava sendo explorada comercialmente.

Em entrevista de 2004, Gard desabafou:
“Tive problemas quando começaram a colocar roupas curtas nela ou até tirá-las completamente em campanhas de marketing. Era estranho ver um personagem seu fazendo coisas assim. Você pensa: ‘Ela não pode fazer isso. Ela é minha criação.'”

A publisher queria aproveitar o boato

O mais surpreendente? Enquanto os criadores lutavam para preservar a essência da personagem, a gerência da Core Design e a publicadora Eidos consideravam adicionar o easter egg de nudez de forma oficial em versões futuras do jogo.

“A ideia empolgou até gente de dentro da empresa”, revelou Rummery. “Não os desenvolvedores, mas o pessoal do marketing. Eles achavam que qualquer publicidade era boa, mesmo que prejudicasse a imagem da personagem.”

De fato, a obsessão do público masculino com Lara fez parte do sucesso da franquia, algo que perdurou até o reboot de 2013, quando a personagem foi reformulada com um tom mais sério e humano — embora sem perder sua força e apelo.

O desfecho da lenda: uma cutscene no chuveiro

A equipe de desenvolvimento encontrou uma forma irônica de responder à polêmica: incluindo uma cena no final de Tomb Raider II em que Lara aparece no chuveiro. No entanto, quando o jogador tenta espiá-la, ela atira diretamente na tela, quebrando a quarta parede e encerrando a brincadeira.

“Foi nossa forma de dizer: ‘Enquanto você estiver por aqui, Lara não vai ficar pelada’”, explicou Rummery.

A verdade defintiva: nunca existiu um código para deixar Lara Croft nua

Apesar das dezenas de rumores, códigos falsos e piadas publicadas até por revistas especializadas, nunca houve um código oficial para deixar Lara Croft nua em Tomb Raider. O suposto “Nude Raider” não passou de uma lenda urbana alimentada pela cultura gamer da época e, infelizmente, incentivada por estratégias publicitárias duvidosas.

O episódio deixou marcas tanto nos desenvolvedores quanto na personagem, reforçando debates sobre sexualização, autoria e o poder do marketing nos videogames. Ainda assim, mesmo diante de polêmicas, Lara Croft seguiu firme como um dos maiores ícones da história dos games.